Faz sentido seguir falando sobre violência contra mulheres?

Recentemente, veio a público a notícia de que o presidente argentino em exercício tem como proposta a retirada do crime de feminicídio do Código Penal do país que nos avizinha, a pretexto de promover mais igualdade. O mandatário alega que a criminalização institui tratamentos diversos entre homens e mulheres.

Neste mês de março, em que a comunidade internacional se mobiliza para pautar a defesa de direitos das mulheres, parece ainda necessário pensar se faz sentido seguir falando, debatendo e reivindicando intervenções (políticas, normativas, culturais, educativas, etc.) de enfrentamento à violência contra mulheres? Haveria outras pautas mais imediatas e necessárias? Já superamos a urgência do debate relativo ao tema, devendo então investir em outras demandas?

Por aqui, nossa trama normativa vem sendo crescentemente aparelhada com dispositivos para punir (sobretudo criminalmente) a prática de violências diversas contra mulheres. Oportunamente, já discutimos a dicotomia entre o papel simbólico do sistema de justiça criminal e sua importância operacional, ao viabilizar orçamentos, protocolos e mecanismos concretos de enfrentamento à violência. De fato, a criminalização das diversas formas de violências contra mulheres levanta uma série de críticas coerentes. Porém, seu uso tem sido estrategicamente importante em muitos contextos; tanto que, em 2015, quando o Brasil adotou a primeira lei federal para criminalizar a prática do chamado feminicídio, o fez por determinação da ONU mulheres, justamente porque o restante da América Latina e do Caribe já tinha dado esse passo.

Neste contexto, ainda que, em espaços de mobilização e demanda por direitos outros motes se sobressaiam - como autonomia, a igualdade salarial, a justiça reprodutiva, a política de cuidados, dentre outros, o enfrentamento à violência não perde a centralidade. O que nos leva então a pensar que precisamos abandoná-lo? Tratá-la diferentemente a pretexto de garantir a igualdade?

O enfrentamento da violência é um degrau fundamental para que as mulheres possam ser reconhecidas enquanto sujeito de direitos. Não é uma negativa ao fato de que homens não possam sofrer violência no ambiente doméstico, ou em decorrência do fato de ser homens, notadamente em relações homoafetivas.

A partir do momento em que uma sociedade pactua não intervir ou recriminar a prática da violência contra mulheres, colocando o corpo - em sua dimensão psicofísica - à mercê da violência e da morte, a intenção não parece ser a de garantir condições de tratamento igualitário, senão de manter esse mesmo corpo sob a mira (e aqui ó trocadilho é proposital) do pacto patriarcal. E se, contraditoriamente, pretende assegura participação política, igualdade salarial, liberdade de escolha em outras esferas da vida pública e privada, mas não luta contra a violência, então não se importa verdadeiramente com o valor que esse mesmo corpo tem. Ou, a contrário senso, sabe exatamente a capacidade e valor associados a este corpo, redefinindo conceitos como "igualdade" ou "liberdade", sustenta a intenção sub-reptícia de seguir colocando-o no lugar da opressão e da violência, para que não reivindiquemos a cota do mundo que nos cabe.

Neste mês de março, precisamos sim falar sobre violência contra mulheres. Aliás, essa pauta precisa, mais do que nunca, estar no centro dos nossos debates. Que apropriação de categorias importantes, como a igualdade ou a liberdade, não se dê a pretexto de nos proteger.1

Em uma sociedade em que a maior parte das mulheres morrem pelo simples fato de serem mulheres, e dentro de suas próprias casas; enquanto os homens são mortos por condutas ligadas à criminalidade urbana ou ao trânsito, precisamos colocar o enfrentamento às diversas formas de violência no centro de nossas reivindicações, sem admitir um passo sequer para trás. Que a moda do país vizinho não pegue por aqui!

 


1 A título exemplificativo, também é em nome de uma suposta liberdade que se tem defendido o resgate, por exemplo, da vida das mulheres fora do mercado de trabalho e dedicadas exclusivamente aos cuidados da casa e dos filhos.

 

Prof.ª Me. Dr.ª Isadora Vier Machado, professora adjunta de Direito Penal no Departamento Público da UEM, orientadora jurídica do Núcleo Maria da Penha (NUMAPE/UEM), doutora em Ciências Humanas pela UFSC e mestre em Direito, Estado e Sociedade pela mesma instituição.

A Contribuição das Guerras e dos Conflitos Armados para a Emergência Ambiental

As guerras e os conflitos armados sempre fizeram parte da história e o poder de destruição é enorme. Vidas, sonhos e propriedades são destruídos. O ambiente igualmente é destruído, porém, pouco se fala disso.

O ponto de partida dessa reflexão é a insana e genocida "guerra" patrocinada por Israel contra o grupo palestino Hamas. O enfoque se dá em relação às consequências ao ambiente. Os dados aqui referidos são de setembro/outubro de 2024, exatamente um ano após a deflagração.

Como é de domínio público, meio ambiente é essencial à vida em todas as suas formas. E, como o planeta é um ser vivo, sofre e reage às ações, sobretudo, dos seres humanos.

As guerras e conflitos interferem de forma importante no ambiente. As razões para a deflagração são várias, no entanto, uma vez deflagrada/o, "vale tudo"?

O Direito Internacional Humanitário existe para indicar que não vale tudo. Suas normas visam impor limites às consequências dos conflitos armados, por questões humanitárias. Foca na proteção das pessoas que não participam ou que deixaram de participar nas hostilidades. A origem é do século XIX, mediante as convenções internacionais, como a de Genebra em 1864, 1906, 1929 e 1949 (https://portaldireitoecidadania.com.br/o-direito-internacional-humanitario/).

A Organização das Nações Unidas (ONU), tem no Conselho de Segurança o seu principal órgão, cuja prerrogativa é a manutenção da paz e da segurança internacionais. Possui 15 membros, sendo 5 permanentes (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido), aos quais foi consagrado o poder de veto, e 10 não permanentes eleitos em revezamento. Tem o Tribunal Penal Internacional, que cabe julgar crimes de guerra contra a humanidade e genocídio (https://portaldireitoecidadania.com.br/o-direito-internacional-humanitário/).

É possível vislumbrar uma lacuna, smj, porquanto, a proteção ambiental não está inserida nas obrigações institucionais do Conselho de Segurança e do Tribunal Penal Internacional.

Nas guerras e nos conflitos armados, quando deflagrados, o Direito Internacional Humanitário deve ser respeitado. A ONU patrocina debate mundial sobre a mudança do clima. E, as guerras e os conflitos armados contribuem em grande parcela para o agravamento das alterações climáticas e das condições de sobrevivência dos seres humanos e dos demais seres vivos. Por óbvio, que isso deve ser tratado com rigor pelos organismos internacionais e ser debatido em toda a sociedade. Afinal, além da morte e do sofrimento de seres humanos, principalmente, crianças e mulheres, as guerras e os conflitos armados trazem um rastro de destruição ambiental (contaminação do solo, do ar e da água, detritos e metais pesados pelo uso de bombas e outros artefatos bélicos, morte de animais, supressão de florestas, incêndios, queima de combustíveis fósseis, fumaça tóxica, lixo, entulhos e etc). Tudo isso impacta o ambiente e contribui para o aquecimento do planeta.

Em Gaza os números são absurdos. Estima-se que mais de 70 mil toneladas de bombas foram utilizadas por Israel. Mais de 39 mil bombas caíram em Gaza e 2 mil mísseis foram lançados contra Israel. fontes avaliam que 12 mil bombas equivalem a uma bomba atômica. (https://www.trt.net.tr/portuguese/medio-oriente/2023/10/25/israel-utilizou-o-equivalente-a-potencia-de-uma-bomba-atomica-contra-gaza-2055648).

Após o ataque do Hamas, em 07/10/2023, a reação de Israel foi totalmente desproporcional. Da população de 2,2 milhões, em um ano de conflito, mais de 90% dos palestinos em Gaza foram desalojados (https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5y5j7r75p5o).

Dados coletados até 23/09/2024 revelaram que 41,467 pessoas foram mortas, sendo 27,38% de crianças, 15,19% de mulheres, 7,13% de idosos, 33,13 de homens e 17,18% de desconhecidos, que não se puderam ser identificados (https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5y5j7r75p5o).

Em outubro de 2024, os destroços das construções somaram mais de 42 milhões de toneladas, cuja remoção e limpeza são estimados em 15 anos (https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5y5j7r75p5o).

Gaza foi literalmente destruída. E, essa destruição, não só da vida de milhares de civis, se estendeu para o ambiente. O elevado número de bombas, o desmoronamento de prédios e casa e a utilização massiva de combustíveis fósseis, em apenas um ano, provocaram a emissão de gases e particulados que ascenderam à atmosfera, contribuindo para a atual emergência climática.

Em conclusão, as guerras e conflitos armados resultam em tragédias humanas e ambientais; o Direito Internacional Humanitário não prevê claramente a proteção ambiental; o Conselho de Segurança da ONU não é capaz de promover a paz; os interesses numa guerra sobrepõem o direito à vida, dignidade da pessoa humana e o cuidado com o planeta; a vida como a conhecemos está em sério risco; enquanto há tempo, as guerras e conflitos devem parar; a paz tem de prevalecer.

 

Prof.º Marino Elígio Gonçalves, professor de Direito/DPP/UEM.

 

Propostas de Emendas à Constituição Sem Amplo Debate com Sociedade Ameaçam o Princípio Democrático

No dia 09 de outubro de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou duas propostas de Emendas à Constituição (PECs) com o objetivo declarado de limitar os poderes constitucionais da Suprema Corte brasileira.

A PEC 08/2021 limita o poder do Ministro do STF para deferir por decisão monocrática determinadas medidas cautelares (liminares) e, se aprovada em definitivo, será necessário o voto da maioria absoluta do colegiado. Mudanças são sempre bem-vindas e necessárias, tanto que o próprio STF, que não tem se mostrado insensível a críticas que recebe, em 19/12/2022 alterou o Regimento Interno daquela Corte para disciplinar as decisões monocráticas, determinado que as medidas cautelares (liminares) devam ser submetidas de imediato, de preferência por meio virtual (mais célere) ao julgamento do Plenário ou da Turma, a não ser que o reator prefira a forma presencial. Em caso de urgência o relator poderá solicitar ao Presidente a convocação da sessão no prazo de 24 horas. Também regulou o pedido de vista, que antes poderia o solicitante deixa o processo parado até por anos, agora o Ministro tem no máximo 90 dias para proceder a análise do processo.

A PEC 28/2024, também aprovada na CCJ, representa a mais grave intervenção, pois dá ao Congresso Nacional poderes para anular as liminares concedidas pelos Ministros do STF que, segundo a ótica dos parlamentares, extrapolam a competência do Supremo. Se aprovada essa alteração do texto constitucional, os Deputados e Senadores, a maioria sem formação jurídica, e com base no seu entendimento, movido quase sempre por interesse ou convicções políticas e ideológicas, vai poder inferir na decisão do outro poder, que é o judiciário, violando o princípio constitucional da divisão ou separação de poderes, pensada pelo conhecido filósofo iluminista Barão de Montesquieu, autor da clássica obra "O espírito das leis", escrita em 1750, e inserida na Constituição Federal de 1988 (Art. 60, § 4°, III) sob a forma da cláusula pétrea, que somente pode ser modificada por um novo Poder Constituinte, e não através de Ementa Constitucional. Estabelece esse dispositivo constitucional que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação de poderes. Sob esse aspecto, revela-se inconstitucional a proposta, além de representar uma grave interferência em outro poder.

Além dessas duas PECs, foi aprovado o Art. 1° do Projeto de Lei nº 4.754/2016, o qual estabelece que o Ministro do STF deverá responder por crime de responsabilidade se "usurpar" funções que, na avaliação dos próprios parlamentares, compete ao Poder Legislativo. Quem decide se ocorreu usurpação? Os próprios integrantes do Poder Legislativo, cujas decisões são tomadas quase sempre por motivações políticas e ideológicas. Esse dispositivo representa uma verdadeira ameaça à independência da atuação do Poder Judiciário.

A avaliação que a imprensa especializada e a comunidade jurídica tem feito é no sentido de que as propostas aprovadas representam retaliações ao STF, principalmente após a decisão que suspendeu a execução das emendas parlamentares, e o motivo apontado para a decisão foi a falta de transparência e de rastreabilidade.

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, em um evento na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, afirmou que a proposta era "inaceitável" e remetia à "Constituição ditatorial de 1937", da Era Vargas. O Decano da Suprema Corte, Ministro Gilmar Mendes, disse que a PEC "não faz sentido, pois quebra a ideia da divisão de Poderes", e também recomendou "muitíssimo cuidado", ao afirmar que "Não passa por qualquer crivo de um modelo de estado de direito constitucional".

As propostas, a que tudo indica, têm cunho político e ideológico, e violam o princípio democrático, movidas provavelmente por espírito revanchista e, caso sejam definitivamente aprovadas, há grandes chances de serem declaradas inconstitucionais.

O Supremo Tribunal Federal, como qualquer outra instituição, não é imune a erros, por isso o aperfeiçoa\mento das instituições democráticas é uma necessidade permanente, porém não deve realizado às pressas, com espírito de revanchismo, acarretando ruptura institucional, mas construído através do diálogo e do amplo debate com a sociedade.

 

Prof.º Alaercio Cardoso

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