Propostas de Emendas à Constituição Sem Amplo Debate com Sociedade Ameaçam o Princípio Democrático

 

 

 

 

Prof. Alaercio Cardoso

 

No dia 09 de outubro de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou duas propostas de Emendas à Constituição (PECs) com o objetivo declarado de limitar os poderes constitucionais da Suprema Corte brasileira.

A PEC 08/2021 limita o poder do Ministro do STF para deferir por decisão monocrática determinadas medidas cautelares (liminares) e, se aprovada em definitivo, será necessário o voto da maioria absoluta do colegiado. Mudanças são sempre bem-vindas e necessárias, tanto que o próprio STF, que não tem se mostrado insensível a críticas que recebe, em 19/12/2022 alterou o Regimento Interno daquela Corte para disciplinar as decisões monocráticas, determinado que as medidas cautelares (liminares) devam ser submetidas de imediato, de preferência por meio virtual (mais célere) ao julgamento do Plenário ou da Turma, a não ser que o reator prefira a forma presencial. Em caso de urgência o relator poderá solicitar ao Presidente a convocação da sessão no prazo de 24 horas. Também regulou o pedido de vista, que antes poderia o solicitante deixa o processo parado até por anos, agora o Ministro tem no máximo 90 dias para proceder a análise do processo.

A PEC 28/2024, também aprovada na CCJ, representa a mais grave intervenção, pois dá ao Congresso Nacional poderes para anular as liminares concedidas pelos Ministros do STF que, segundo a ótica dos parlamentares, extrapolam a competência do Supremo. Se aprovada essa alteração do texto constitucional, os Deputados e Senadores, a maioria sem formação jurídica, e com base no seu entendimento, movido quase sempre por interesse ou convicções políticas e ideológicas, vai poder inferir na decisão do outro poder, que é o judiciário, violando o princípio constitucional da divisão ou separação de poderes, pensada pelo conhecido filósofo iluminista Barão de Montesquieu, autor da clássica obra "O espírito das leis", escrita em 1750, e inserida na Constituição Federal de 1988 (Art. 60, § 4°, III) sob a forma da cláusula pétrea, que somente pode ser modificada por um novo Poder Constituinte, e não através de Ementa Constitucional. Estabelece esse dispositivo constitucional que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação de poderes. Sob esse aspecto, revela-se inconstitucional a proposta, além de representar uma grave interferência em outro poder.

Além dessas duas PECs, foi aprovado o Art. 1° do Projeto de Lei nº 4.754/2016, o qual estabelece que o Ministro do STF deverá responder por crime de responsabilidade se "usurpar" funções que, na avaliação dos próprios parlamentares, compete ao Poder Legislativo. Quem decide se ocorreu usurpação? Os próprios integrantes do Poder Legislativo, cujas decisões são tomadas quase sempre por motivações políticas e ideológicas. Esse dispositivo representa uma verdadeira ameaça à independência da atuação do Poder Judiciário.

A avaliação que a imprensa especializada e a comunidade jurídica tem feito é no sentido de que as propostas aprovadas representam retaliações ao STF, principalmente após a decisão que suspendeu a execução das emendas parlamentares, e o motivo apontado para a decisão foi a falta de transparência e de rastreabilidade.

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, em um evento na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, afirmou que a proposta era "inaceitável" e remetia à "Constituição ditatorial de 1937", da Era Vargas. O Decano da Suprema Corte, Ministro Gilmar Mendes, disse que a PEC "não faz sentido, pois quebra a ideia da divisão de Poderes", e também recomendou "muitíssimo cuidado", ao afirmar que "Não passa por qualquer crivo de um modelo de estado de direito constitucional".

As propostas, a que tudo indica, têm cunho político e ideológico, e violam o princípio democrático, movidas provavelmente por espírito revanchista e, caso sejam definitivamente aprovadas, há grandes chances de serem declaradas inconstitucionais.

O Supremo Tribunal Federal, como qualquer outra instituição, não é imune a erros, por isso o aperfeiçoa\mento das instituições democráticas é uma necessidade permanente, porém não deve realizado às pressas, com espírito de revanchismo, acarretando ruptura institucional, mas construído através do diálogo e do amplo debate com a sociedade.

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