História de um grande professor e historiador: Reginaldo Dias

“Não serei o poeta de um mundo caduco/ o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente". 

Historiador e professor da UEM

Reginaldo Benedito Dias

Por Reginaldo Dias

Minha iniciação no magistério ocorreu em 1988. Após exercer dois contratos como professor temporário, fui aprovado em concurso público e ingressei, em março de 1991, na carreira docente da UEM. Tenho, portanto, 34 anos de dedicação ao magistério, mais da metade da minha vida.

O cidadão comum define o professor como aquele profissional que se dedica a ensinar. Essa definição não está totalmente errada, mas é muito limitada. Primeiramente, porque a atividade educacional, como escreveu Paulo Freire, é essencialmente dialógica. Na relação de ensino com o aluno, o professor educa e é educado. Em segundo lugar, todos são educados por sua inserção na realidade vivida. Essa dimensão é particularmente influenciada pela minha área de formação e atuação: a História.

Há uma brincadeira, circulante na internet, que diz mais ou menos o seguinte: “Tenho pena dos historiadores do futuro, que terão de explicar esta confusão em que vivemos”.  O desafio contido na brincadeira é, em si, estimulante, mas ainda é tributário de uma visão que confunde a história com o passado. Como não há espaço para muitas digressões conceituais, deixo assentado que o historiador, mesmo quando estuda o passado remoto, movimenta-se por questões e inquietações de seu tempo. Além disso, devido à aceleração das mídias, os historiadores têm sido convocados, cada vez mais, a explicar as coisas que acontecem no presente em que vive. Por isso, o desafio da brincadeira é impreciso. Desde já, os historiadores são convocados a explicar a complexidade do mundo atual.  

Intuitivamente, foi essa relação que me trouxe ao campo profissional do historiador, como professor de sala de aula e como pesquisador. Para exemplificar, permitam-me retroceder no tempo e dizer como ocorreu a minha iniciação.  

Iniciei minha graduação em História em 1983 e a concluí em 1986. Antes disso, porém, tive uma passagem por outro curso.  De julho de 1980 a dezembro de 1981, fui acadêmico de Química. Após um ano de intervalo, reorientei meu caminho, fazendo vestibular para História. A nova escolha se mostrou definitiva e acertada com o passar do tempo. “Por que uma guinada tão brusca?”- alguém poderia perguntar. Ora, após certificar-me de que não tinha aptidão para as Ciências Exatas, considerei mais coerente promover uma mudança drástica de rota e ingressei em uma licenciatura das Ciências Humanas.

Entre as opções disponíveis na UEM, talvez pudesse estudar Letras ou Psicologia, mas fiz a opção pela História, embora essa licenciatura fosse um tanto quanto desprestigiada na época, resultado das políticas educacionais da ditadura civil-militar. Esclareço que na UEM, dadas as facilidades da licenciatura curta em Estudos Sociais, que era estimulada pelo governo federal, o curso de História chegou a ser desativado. Quando entrei na graduação, o curso estava em fase de reconstrução, o que era, de certa forma, estimulante.

Mais do que uma carreira profissional, buscava compreender melhor o mundo em que vivia. Não custa lembrar que o Brasil vivia uma das fases da abertura política. Em 1982, houve as primeiras eleições diretas para governador. No período em que fui discente do curso de História, o país viveu grandes mobilizações em favor da redemocratização, entre as quais podem ser destacadas a campanha diretas-já para presidente e o movimento pela Assembleia Nacional Constituinte.

As lutas democráticas pautavam a universidade de maneira geral. Na UEM, entretanto, havia uma particularidade: a universidade havia sido criada em 1969, no auge da ditadura civil-militar. Nem era possível dizer que a comunidade universitária lutava por sua redemocratização, visto que a instituição fora erigida sob o marco do ordenamento jurídico autoritário. Os movimentos que vicejaram desde o final da década de 1970, impulsionados pela formação da Aduem (Associação dos Docentes da UEM) e do DCE (Diretório Central dos Estudantes), pautavam uma democratização que nunca tinha sido vivido internamente. Além disso, havia as campanhas pela gratuidade do ensino. Mesmo sendo uma instituição pública, a UEM fora criada sob o signo do ensino pago. 

Já em meu primeiro ano de graduação em história, tomei contato com essa agenda. Em 1983, participei da fundação do Centro Acadêmico Nadir Cancian e de sua primeira diretoria. Logo em seguida, vieram as eleições diretas para chefia de departamento e coordenador de colegiado. Em 1986, vieram as eleições diretas para reitor. Em 1987, logo após minha formatura, houve a conquista da gratuidade do ensino. Longe de dispersar a atenção, esse ambiente político fervilhante estimulava a curiosidade acadêmica. Tempos depois narrei essa história em dois livros que escrevi. O primeiro tem o título de Uma universidade de ponta-cabeça, uma espécie de história do movimento estudantil da UEM. O segundo é o Memorial 40 anos da Aduem, publicado recentemente.

Nos anos em que fiz graduação, proliferaram debates sobre a formação profissional do historiador e sobre os currículos de História. A eleição direta para governador em 1982, garantindo a assunção de antigos oposicionistas ao mando político estadual, permitiu que vicejassem projetos de renovação dos currículos de história.

Sobre as reformas em curso, a literatura então produzida salientava que a crítica às políticas educacionais da ditadura não poderia levar à ilusão de que havia um passado ao qual se pudesse retornar, já que as concepções de história praticadas no período anterior ao golpe de Estado de 1964 estavam completamente desatualizadas. As reformas deveriam ser pensadas a partir do mundo presente e de suas problemáticas. Déa Fenelon, em um texto publicado no caderno Cedes, clamava uma formação completa ao historiador, em que pesquisa e ensino não estivessem dissociados. Dizia que o verdadeiro ensino sempre supõe a investigação e a descoberta. Propugnava, ainda, que o profissional de história mantivesse compromisso com o mundo em que vivia. Era um chamamento para que fizéssemos a história no duplo sentido da palavra.

Em resumo, minha paixão, desde o início da minha formação, foi pelo que chamamos, atualmente, de História do Tempo Presente. É a esse campo que me dedico em minhas pesquisas e produção bibliográfica, cujos resultados, evidentemente, estão entrelaçados com a atividade de ensino na graduação e na pós-graduação.

Para encerrar, creio que posso definir a paixão que move os historiadores, qualquer que seja a especialidade ou período estudado, com os versos do grande poeta Carlos Drummond de Andrade: “Não serei o poeta de um mundo caduco/ o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente".

 

Reginaldo Benedito Dias – professor do Dep. de História da UEM

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