Mensagem que vem das ruas
Análise: A professora e cientista política, Celene Tonella, escreve sobre as recentes manifestações que ganharam as ruas do país.
Por Celene Tonella
O ano de 2021, ao avançar no calendário, foi deixando a sensação na sociedade que seria uma continuidade de 2020. Ano que transcorreu sob a marca da pandemia do coronavírus e das inúmeras incertezas dela advindas. Os números foram se agravando: de contaminados e de mortos deixados pelo rastro do vírus, dos desempregados, dos órfãos, do baixo desempenho da economia e daqueles que retornaram à linha abaixo da pobreza.
No campo da política e dos movimentos sociais que foram às ruas, pudemos observar movimentações polarizadas. De um lado, a continuidade de apoios ao Presidente Bolsonaro -- por carreatas ou passeatas --, presidente que adentrava 2021 registrando índices de popularidade, apesar das crises pandêmica e econômica. De outro lado, houve o aumento da insatisfação popular e uma melhor organização da oposição, culminando em protestos de rua, ainda que modestos, apontando abalos para o atual governo.
Observemos o comportamento das ruas a partir de primeiro de maio. Neste dia do trabalhador, as ruas se tingiram de forma majoritária de verde e amarelo. Todas as regiões do país registraram manifestações em apoio ao governo de Jair Bolsonaro. Os manifestantes também defenderam o fim de medidas de combate à pandemia, como o isolamento social, o voto impresso e, algumas vezes, intervenção militar. As manifestações seguiram mais padronizadas nas cores, no comportamento dos manifestantes -- sem preocupação com o distanciamento social e uso de máscara.
Mesmo o número de mortos chegando ao número de 406 mil, ainda os apoiadores do presidente se manifestaram. Os defensores do governo têm como trilha sonora preferida o Hino Nacional. Cantos militares e músicas ufanistas também são entoadas.
No dia do trabalhador, as centrais sindicais chamaram os trabalhadores às ruas, mas ainda sem muito impacto e muitas das lideranças atribuíram ao medo da pandemia.
Já o dia 19 de junho, pode-se considerar uma guinada no padrão das manifestações que ocorreram de forma simultânea em mais de 350 das maiores cidades do Brasil e cerca de 40 no exterior. Desta vez, registra-se forte presença de organizações e partidos, os de esquerda – PT, PSOL, PC do B, PCO e PSTU. Partidos como o PDT, PSB e Rede argumentaram não estimular aglomerações, mas não proibiram seus quadros de participarem. O Cidadania anunciou apoio às manifestações. As Centrais Sindicais e o MST se fizeram presentes.
As manifestações contra o governo Bolsonaro apresentaram características próprias, como a presença massiva de jovens, a preocupação com a saúde dos manifestantes, com distribuição de máscaras, álcool gel e a manutenção de algum distanciamento entre as pessoas. Em vez do uso das cores pátrias, pintaram nas ruas o vermelho, dos movimentos sociais e de partidos políticos, e o preto, do luto pela morte de quase meio milhão de brasileiros pela Covid-19.
Enquanto o presidente promovia as "motociatas em vários finais de semana, no dia três de julho, com o aprofundamento da crise, atos ocorreram em todas as 27 capitais e nas maiores cidades do interior. Os protestos foram antecipados após novas suspeitas em compras de vacinas e superpedido de impeachment, protocolado na Câmara e assinado por traz a assinatura de 46 pessoas representantes de entidades, como partidos políticos, sindicatos, associações e coletivos diversos.
Os indícios levantados pela CPI da Covid contra o governo Bolsonaro, desde a crise de oxigênio em Manaus, passando pelo apontado desinteresse na compra de algumas vacinas como a Pfizer até as fortes suspeitas de corrupção em torno da vacina Covaxin, colocaram o Governo Bolsonaro na berlinda. Completa o quadro de desestabilização a recente pesquisa Datafolha de 09/07/2021, de intenção de voto para Presidente em 2022, em que aponta que Jair Bolsonaro perderia em qualquer cenário quando confrontado com Lula e outros presidenciáveis. A reação presidencial tem sido de ameaça à democracia e ao Estado de direito ao atacar membros do STF e afirmar que “corremos o risco de não ter eleições em 2022”.
As indicações são claras de recrudescimento das manifestações contrárias ao governo, fiquemos no aguardo dos próximos capítulos.
Profa. Dra. Celene Tonella
Cientista política, professora na Pós-Graduação UEM, vice-coordenadora do Observatório das Metrópoles e participa do coletivo Fórum Maringaense de Mulheres.