A importância de pensar o Holocausto hoje
Hoje é comemorado o Dia Internacional da Memória das Vítimas do Holocausto. Professor Pedro Carvalho Oliveira (DHI/UEM) escreve acerca dessa data histórica e a importância de ser preservada.
Por Pedro Carvalho Oliveira
Em 06 de janeiro do presente ano, às vésperas da saída de Donald Trump da presidência dos Estados Unidos, vimos o Capitólio, casa do Congresso e espécie de bastião da democracia estadunidense, ser invadido e ocupado por grupos extremistas organizados. Incitados por Trump, que recusava a transição de poder por não aceitar a derrota nas urnas para Joe Biden, acusando o processo eleitoral de fraudulento, seus seguidores protagonizaram um dos momentos mais violentos da história recente do país. Originários de diversos movimentos extremistas, estes indivíduos ostentavam símbolos particulares ao seu universo por meio dos quais aludiam ao ódio que frequentemente direcionam aos seus inimigos. Um homem se destacou na imprensa internacional ao ter sido fotografado com um casaco estampado pelos dizeres: Camp Auschwitz – Work brings freedom.
A inscrição faz referência a um dos mais conhecidos campos de concentração e extermínio nazistas durante seu reich, onde milhares de judeus e outros inimigos definidos pelo hitlerismo foram sistematicamente exterminados, por meio de um verdadeiro sistema logístico. Work brings freedon, a propósito, diz respeito à inscrição em alemão (Arbeit macht frei) que recebia os cativos no portão principal do campo, cujo significado é uma ironia sádica: “o trabalho traz a liberdade”. Os traumas provocados em Auschwitz são comprovados em um sem número de documentos, testemunhos e outros registros provenientes daquela época. Trata-se de um dos maiores lugares de memória capazes de nos lembrar as atrocidades com as quais a humanidade foi conivente. Apesar disso, da insistente lembrança daquele espaço como monumento à violência perpetrada contra vários seres humanos, por que alguém usaria um adereço que evoca, de forma laudatória, os terrores do nazismo e da shoá, ou, como mais conhecemos, Holocausto?
No Dia Internacional da Memória das Vítimas do Holocausto, esta é uma pergunta tão pertinente quanto a resposta a ela. Em primeiro lugar, devemos nos lembrar que após 1945, com a queda do regime nazista, houve um esforço de seus líderes remanescentes e de seus adeptos em negar o assassinato em massa, especialmente de judeus, para se livrarem das penas definidas pelos tribunais internacionais. Em segundo lugar, devemos ter em mente que o nazismo não foi apenas um regime político vigente entre 1933 e 1945 na Alemanha: ele é um comportamento político e uma forma de ver o mundo, que não morre com Adolf Hitler. Ele continua existindo e sendo reformulado para se perpetuar na posteridade. Ainda hoje há os que tanto negam o Holocausto – apesar de todas as evidências que provam o contrário -, quanto os que aceitam o nazismo como uma visão de mundo aceitável, entendendo o extermínio de judeus como um norte indispensável à sua doutrina.
Um terceiro ponto, que leva os dois anteriores em vista, deve ser destacado: para a história, o passado nunca está morto e enterrado. No livro que lancei em 2018, O som do ódio: uma história do rock neofascista e dos neofascismos no tempo presente, analiso como os discursos de ódio fascistas persistem nos tempos atuais, se modernizando e mesmo utilizando instrumentos próprios de nossa época para isso. Assim, argumento que nosso presente possui relações próximas com o tempo que nos antecedeu, onde estão as raízes do que vivemos hoje. Ao olharmos para o caso do personagem grotesco usando um casaco simpático ao Holocausto, não estamos vendo a história se repetir: estamos diante da continuidade de uma ferida que não conseguimos tratar no passado. Por isso, devemos lembrar que o nazismo, embora tenha surgido como uma novidade no século XX, organizava e canalizava ódios e preconceitos que já existiam na sociedade antes dele. O presente do regime nazista possuía vínculos com seu passado, onde os judeus e outros sujeitos eram desumanizados para que todo tipo de violência pudesse ser perpetrado contra eles. O nazismo direcionou estes elementos precedentes a uma função política prática que ainda ressoa atualmente.
O Holocausto é o centro disso. Foi o processo no qual o tenebroso sonho nazista de implantar o que chamaram de “solução final” – o extermínio total dos judeus – teve início. Um processo que, apesar de todo o trauma gerado, necessita ser lembrado para que sirva de exemplo sobre o que não devemos ser ou fazer. O trauma do Holocausto gerou uma ferida que somente pode ser cicatrizada se tratarmos dela. Mas a cicatriz que restará, como costumam ser próprias aos traumas mais severos, nos servirá para lembrarmos da dor que foi provocada. Se hoje ainda existem defensores do ideário nazista, é porque temos ainda muito a fazer para ensinarmos como o Holocausto foi um dos mais profundos abismos contemplados pela humanidade. Por isso, datas como a de hoje precisam ser preservadas: como um marco para a nossa reflexão não apenas para o que ocorreu no passado, mas para o que não deve ocorrer no presente.
Professor Pedro Carvalho Oliveira é do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (LabTempo-UEM) e integra o
Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET-UFS).